segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Guerra dos Farrapos
 
A estratégia das águas
por Aldo Tedesco

A Revolução Farroupilha marcou para sempre a hitória do Rio Grande do Sul.
Parte dos acontecimentos ocorreram nas águas deste estado,o que consideramos ser do interesse dos navegadores.
Às vésperas da Semana Farroupilha, aí vai uma oportuna compilação de Aldo Tedesco.


A Guerra 

     A revolução separatista durou 10 anos no Brasil Imperial do século XIX. O movimento foi deflagrado por causas político-econômicas como os altos impostos nas charqueadas, A escassez de moeda circulante no Rio Grande durante todo o período colonial, e o pagamento das dívidas do governo central na província. Politicamente, o principal motivo da insatisfação era a centralização do poder decisório na Corte, além da aceitação ampla das ideais liberais.

Os Farrapos
 
     Este apelido foi dado aos rio-grandenses sublevados contra o Império do Brasil, por não disporem de uniformes e de equipamentos militares. 
     
     Maltrapilhos, faltavam armas e botas. Muitos dos soldados, peões de estância e negros, traziam suas garruchas e adagas.

Os imperiais

Os Imperiais governavam o Rio Grande do Sul, recebendo ordens do Império. Eram também chamados pelos Farrapos, de conservadores, restauradores, retrógrados, caramurus e galegos. Ocupavam os principais postos nos órgãos públicos e no exército.

As armas dos Farrapos

     Eram imbatíveis nos combates a cavalo e usavam trabucos, pistolas e espadas. A cavalaria utilizava principalmente a lança.A artilharia empregava canhões e obuses tomados dos inimigos (ou fornecidos por uruguaios). Imagem - Carga da temida cavalaria farrapa, retratada por Litran, pintor francês.

O atalho dos farroupilhas para o mar
 
     Os imperiais tinham o controle das águas, do Guaíba à Lagoa dos Patos (até a Barra de Rio Grande). Os revolucionários farrapos queriam navegar pelo oceano, tomar Laguna em Santa Catarina e fundar a República Juliana. 

     Garibaldi e Canabarro cortaram árvores em Camaquã, próximo ao rio, nas terras da Estância Cristal, onde Bento Gonçalves vivera alguns anos, e construíram os dois lanchões que seriam usados na invasão de Laguna - o Seival e o Farroupilha (ou Rio Pardo), e os conduziram até Capivari. 
 
     Foram construídos seis pares de rodas, três para sustentar cada lanchão e atreladas cem juntas de bois, requisitados junto aos fazendeiros locais. Era 17 de julho de 1839, a maré atingiu a altura desejada na barra do rio Tramandaí. O velho Carpinteiro - vento retalhador de barcos - fez das suas, pois o lanchão-capitânea Farroupilha, com Garibaldi e mais 14 soldados, foi à pique. Salvaram-se por pouco, nadando até o Seival! Todos a postos, navegaram até Laguna, SC, onde Garibaldi comandou ataques em 22 de julho e 15 de novembro de 1839.

Principais batalhas
 
     Ocorrem 118 confrontos entre os farrapos e os imperialistas, com 59 vitórias para cada lado. Na verdade, não foi uma guerra nos moldes clássicos, já que o exército rebelde não estava organizado nos moldes convencionais. Suas táticas mais se assemelhavam às guerrilhas.

     Os números de mortes em combates não são precisos, mas, em 1881 o Governo Imperial deu publicidade aos fatos, divulgando informações sobre a Revolução Farroupilha.

     A estimativa é de que morreram 3.400 homens. Os farrapos perderam quase que o dobro dos legalistas.

    Cena da Guerra dos Farrapos. Reprodução parcial de óleo do acervo da Prefeitura de São Paulo.

Personagens
 
Bento Gonçalves da Silva

(1788-1847) - Nasceu no atual município de Triunfo, a 23 de setembro de 1788. Seu pai era dono de vastas terras. Participou das campanhas contra os espanhóis (1811 e 1812) e a Argentina (1827), alistado nas forças brasileiras. Em 1814 casou-se com a uruguaia Caetana Garcia, com quem teve oito filhos. Morando em Cerro Largo, começou a ocupar cargos militares. Foi credenciado pelo Império a comandar o 29º Regimento de Milícias, tornando-se Tenente Coronel e Comandante do 39º Regimento de Milícias. Comandou a Revolução Farroupilha (1835 a 1845), tendo sido presidente da República Rio-grandense. Morreu em Pedras Brancas, no dia 18 de julho de 1847, tendo sido sepultado no cemitério do Cordeiro, no município de Camaquã.


Giuseppe Garibaldi, o Herói dos Dois Mundos

(1807-1882) - O guerreiro italiano conheceu Bento em 1837, no Rio de Janeiro. Construiu os barcos e atacou as embarcações a serviço do Império. Com ele, cerca de cinqüenta outros italianos, seus companheiros e como ele, refugiados políticos, também participaram da Guerra dos Farrapos. No Uruguai se casou com Anita. Esteve na Argentina, retornando para a sua Itália, lutando pela Unificação. Morreu em 1882, aos 75 anos.

David Canabarro

(1793-1867) - Nasceu David José Martins, a 22 de agosto de 1793, no atual município de Taquari. Mais tarde conhecido por David Canabarro. Lutou nas guerras contra o Uruguai e Argentina, ao lado de Bento.

Bento Manoel Ribeiro
 
(1783-1855) - Paulista de Sorocaba, veio para o Rio Grande com cinco anos de idade. Lutou contra o Urugai e Argentina.
Morreu em Porto Alegre, como marechal-de-exercíto.

 
Domingos José de Almeida Souza Netto
 
(1801-1866) - Riograndino, Antonio de Souza Netto proclamou a independência do Rio Grande do Sul a 11 de setembro de 1836, fundando a República do Piratini.

João Manoel de Lima e Silva
 
(1805-1837) - Tio de Duque de Caxias. Lutou na Bahia e Pernambuco.Era major do Império, mas aderiu à causa dos farrapos. Ferido e morto em combate com apenas 35 anos.

João Antonio da Silveira
 
(1795-1872) - Nasceu em Rio Pardo e lutou nas guerras contra o Uruguai, Paraguai e Argentina. Aderiu à causa farrapa, levando inúmeros voluntários.

Cronologia da Guerra
 
1835
 
     Aqui na Fazenda das Pedras Brancas começou o levante para a criação da República do Pampa. O cipreste resiste ao tempo..
 
     A cidade tinha nesta época - 1830 - entre 12 e 15 mil habitantes, cinco igrejas, uma alfândega, dois quartéis, um hospital, um asilo de pobres e uma cadeia, diversos jornais. À noite, as ruas eram iluminadas com candeeiros que utilizavam óleo de peixe,
 
     O ataque a Porto Alegre foi articulado na Fazenda das Pedras Brancas, de propriedade de José Gomes Jardim, primo de Bento Gonçalves, onde hoje é o centro de Guaíba.

     Cerca de 100 rebeldes tomaram pequenos barcos e partiram da praia da Alegria na madrugada do dia 18 para o dia 19 de setembro de 1835. Era preciso atravessar o Guaíba na altura do Porto das Pedras Brancas sem que uma canhoneira imperial percebesse a manobra.

     Concentrados no morro da Azenha, os rebeldes farroupilhas invadem Porto Alegre na madrugada de 20 de setembro - onde ficam até 15 de junho de 1836 - tomando nos meses seguintes Piratini, Rio Pardo e Rio Grande.
 
     A importância da Marinha Imperial revelou-se desde cedo. Porto Alegre se manteve livre dos farrapos porque utilizavam as vias navegáveis - principalmente estuário do Guaíba e Lagoa dos Patos - para trazer tropas, mantimentos e equipamentos. E foi graças à ela que Bento Manoel conseguiu aprisionar Bento Gonçalves na Ilha do Fanfa, em 4 de outubro de 
1836.
 
     Depois da retomada da cidade pelos legalistas, Porto Alegre enfrentou mais três sítios, feitos a partir de Viamão, em junho e julho de 1836, depois de 1837 até 1840, em meses alternados.

Vista de Porto Alegre da época da Revolução Farroupilha, a partir da zona sul


1836

     Os imperiais expulsam os farroupilhas de Porto Alegre, mas o cerco continuou por mais quatro anos. Antonio de Souza Netto, no dia 11 de setembro proclama em Seival, a independência do Rio Grande do Sul e a sede da república é instalada em Piratini. 

     Bento Gonçalves é preso na batalha da Ilha do Fanfa, no rio Jacuí, próximo de Triunfo e é levado para a Bahia.

     Declaração da República Rio-grandense. Òleo do acervo do Governo do RS


Ilha do Fanfa e a Revolução Farroupilha

     Os dois primeiros anos de combates da Revolução Farroupilha - que duraria dez anos - entre as tropas legalistas e federalistas, tiveram como cenário as margens do Rio Jacuí e Lago Guaíba como estratégia para a tomada de Porto Alegre.
 
     Triunfo, terra de nascimento do general Bento Gonçalves, foi palco de várias batalhas e a mais sangrenta delas ficou conhecida como Combate do Fanfa. Teve início na tarde do dia 02 de outubro de 1836. Bento Gonçalves acampou na Ilha do Fanfa (mapa) com mil e quinhentos homens. Tinha como meta encontrar a brigada do coronel Domingos Crescêncio, na margem direita do Rio Jacuí.
 
     A esquadra do almirante Greenfell encurralou Gonçalves, ao mesmo tempo que a artilharia abria fogo de terra.
 
     O combate encerrou na tarde do dia 4 de outubro, com a rendição de Bento Gonçalves para o comandante Bento Manoel Ribeiro, com baixa de duzentos soldados feridos, cento e vinte mortos. Foram presos, ainda, Onofre Pires, Marciano Ribeiro, Pedro Boticário, José Calvet e outros.
 
     "Origens do Rio Grande", ZH, 04 dez 1996.

Observe a Ilha do Fanfa no mapa abaixo (quase 40km do porto de Porto Alegre)





Placa na Ilha do Fanfa


1837
 
     Carta de corso para Garibaldi
     Giuseppe Garibaldi, italiano, recebeu a carta de corso - autorização do governo Farroupilha para atacar, de barco, navios e propriedades inimigas, apossando-se de seus bens. Recebeu o posto de capitão-tenente e foi determinado que coordenasse o armamento de dois lanchões que estavam sendo construídos no estaleiro farroupilha em Camaquã. Cada um deles, depois de pronto, tinha duas peças de bronze e tripulação de 35 homens. Garibaldi comandou um e John Griggs, americano engajado na luta, o outro.
 
     Com estes dois barcos ele iniciou sua guerra de corso na Lagoa dos Patos. Como eram embarcações pequenas, podendo transpor os bancos de areia que dificultava a navegação dos navios de maior porte da Marinha Imperial, Garibaldi agia rápido e atacava as estâncias de legalistas que estavam nas margens da lagoa, passando a mão nos cavalos, mantimentos, etc.

A fuga de Bento
 
     Em 10 de setembro Bento foge do Forte do Mar, na Bahia, onde se encontra aprisionado.1838
 
     Rio Pardo
     Depois de violentos combates, os farroupilhas dominam Rio Pardo em 30 de abril. 

"Povo que não tem virtude acaba por ser escravo"

O maestro Joaquim José de Mendanha compõe a música, e Francisco Pinto da Fontoura a letra do Hino da República Rio-grandense, a pedido dos rebeldes.

Hino Rio-grandense
Como a aurora precursora
Do Farol da divindade,
Foi o Vinte de Setembro
O precursor da liberdade.
Mostremos valor constância,
Nesta ímpia e injusta guerra.
Sirvam nossas façanhas
De modelo à toda a terra,
De modelo à toda a terra
Sirvam nossas façanhas
De modelo à toda a terra.
Mas não basta p’ra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
Mostremos valor constância,
Nesta ímpia e injusta guerra.
Sirvam nossas façanhas
De modelo à toda a terra,
De modelo à toda a terra
Sirvam nossas façanhas
De modelo à toda a terra.

Efetivos farrapos
 
     Calculava-se em seis mil homens os efetivos dos Farrapos neste ano, estando em Viamão de 1.500 a 1.600 homens. Bagé deveria ter mais uns 400 homens, comandados por Antonio Neto. Domingos Crescêncio comandava mais outros 600 perto de Piratini. Na região da Campanha, mais 500 eram comandados por Bento Manoel e David Canabarro. Vários grupos dispersos estavam espalhados pelo território.

Forças legalistas 
     As forças legais tinham também seis mil homens, contando os da Marinha.

1839
 
     Sede da república em Caçapava
 
     A sede da república é instalada em Caçapava, a 14 de fevereiro.
 
     Em julho, Garibaldi e sua tropa transportam dois lanchões - o Seival e o Farroupilha, por terra, tracionados por cem juntas de bois, até o Rio Tramandaí. Um dos barcos naufraga no mar e Garibaldi nada até o Seival que se encontrava próximo, para se salvar. O Seival chega a Laguna, SC, para ajudar David Canabarro que atacava por terra, a proclamar a República Juliana, irmã gêmea da República Rio-grandense.

Um dos mais arrojados planos militares 
     Para realizar todas estas façanhas, Garibaldi colocou em execução um dos mais arrojados planos militares já idealizados em qualquer época.
 
     Como as embarcações farroupilhas estavam cercadas pela Marinha Imperial na Lagoa dos Patos, que dominava a entrada e a saída, ele deslocou os seus lanchões mais leves, o Farroupilha e o Seival, por terra.
 
     "Não existe a menor dificuldade na expedição por mar a Laguna. Mande-me o general alguns carpinteiros e a madeira necessária para a construção de quatro grandes rodados e cem juntas de bois carreiros para a tração das rodas, e eu farei transportar os lanchões até Tramandaí, se Deus quiser", disse Garibaldi numa reunião do alto comando farroupilha. 

     Os dois lanchões foram levados por Garibaldi até cerca de dois quilômetros adentro do Rio Capivari, antes de sua foz na Lagoa do Casamento, e em menos de sete dias comandou a montagem dos rodados e das pranchas sobre as quais os lanchões foram colocados para serem movimentados por terra até Tramandaí..Eles foram puxados, cada um, por juntas de cem bois.
 
     Alguns reparos que não levaram três dias e os lanchões foram para água, no Rio Tramandaí. Entre o Rio Capaviri e o rio Tramandaí, através de campos, areias e banhados, foram percorridos cerca de cem quilômetros nos dias 5 de junho pela manhã e à tardinha do dia 11. Os legalistas não suspeitavam de nada. Para quem vai de Porto Alegre em direção a Capivari, há um marco logo depois da ponte sobre o Rio Capivari, à esquerda

1840
 
     São José do Norte é atacada por Bento, Garibaldi e mais 1200 homens. Os 600 combatentes da vila repelem o ataque. Baixas de 630 pessoas, entre mortos e feridos, de ambos os lados.
 
     Termina em dezembro o sítio a Porto Alegre.

1841
 
     Garibaldi abandona a Província e a revolução e vai embora com a sua Anita (a catarinense Ana de Jesus Ribeiro).
 
     Porto Alegre recebe do Governo Imperial, em outubro, o título de "Leal e Valorosa" por ter rechaçado os Farrapos.

1842
 
     Os farroupilhas se desorganizam, minados por intrigas.
 
     O Império se fortalece. O vice-presidente da República, Antonio Paulo da Fontoura, é assassinado em Alegrete.
 
     Nesta época os imperiais contavam com oito mil homens, crescendo sempre com contingentes enviados do centro do país.
 
     No final deste ano Caxias iniciou sua campanha com 12 mil soldados, munição à vontade, e bem equipados. Era mais do que a metade da força militar total do país, calculada nesta época em 21.968 soldados.
 
     Os legalistas controlavam toda a orla marítima e toda a linha de navegação fluvial, desde a Lagoa Mirim até as imediações da Cachoeira, no Jacuí, e os pontos acessíveis aos navios de guerra nos rios Taquari, Cai e dos Sinos.
 
     Os Farrapos tinham agora, somente 3.500 homens, mostrando sua superiodade tática.

1843
 
     A sede da República Rio-grandense é instalada em Alegrete, em julho.

1844
 
     Ferido mortalmente em duelo - por questões de honra - com Bento Gonçalves, morre cinco dias depois Onofre Pires da Silveira Canto. Outros revezes acontecem aos farrapos. No final do ano as negociações de paz continuam adiantadas.

1845
 
     O Barão de Caxias, marechal Luiz Alves de Lima e Silva, líder do Império, anuncia o fim da Guerra dos Farrapos. Era primeiro de março.
 
     "Rio-grandenses ! É sem dúvida para mim de inexplicável prazer ter de anunciar-vos que a guerra civil, que por mais de nove anos devastou esta bela província, está terminada ..."
 
     As hostilidades cessaram totalmente no dia 21.

Semana Farroupilha 
     A Semana Farroupilha nasceu com o Movimento Tradicionalista Gaúcho, em l947, que teve sua primeira chama acesa neste ano. Liderados por Paixão Cortes, tradicionalista gaúcho, um grupo de estudantes do Colégio Julinho, na Capital, fundou o Departamento de Tradições Gaúchas. 

     No ano seguinte, o mesmo grupo criou o 35 Centro de Tradições Gaúchas. Outros CTGs nasceram em todo o Rio Grande, espalhando-se por vários estados brasileiros.. Em l964 foi oficializada a Semana Farroupilha no Rio Grande, que pela lei se comemora de 14 a 20 de setembro de cada ano, em homenagem à memória do Herói Farroupilha, uma reunião de manifestações artístico-culturais chamada Mostra da Cultura Gaúcha.

(Aldo Tedesco - http://www.popa.com.br/docs/cronicas/farrapos/)

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